quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Tunísia

Regressei da Tunísia. É bom estar em casa. É bom estar no meu quarto, com a minha Bessy, rever amigos, rever locais queridos, a minha família!!! É bom estar a ouvir Amália Rodrigues outra vez!

Foi igualmente bom ter estado três semanas sozinho, perdido pelo mundo árabe, longe, maior parte das vezes, de grandes centros turísticos. Cheguei a ser o único turista numa cidade de 40000 habitantes - maravilhosa essa noite, maravilhosa! - e muitas vezes sentia-me verdadeiramente só. Confesso que, certas vezes, a solidão incomodava e eu não sou um homem de grandes e frequentes companhias. Viajar só, sem nada mais para fazer, num mundo desconhecido, sem ninguém para partilhar o que quer que seja, pode ser, a certas alturas, algo demasiado doloroso. Cheguei mesmo a pensar «O que raio estás aqui a fazer?», com uma lágrima no canto do olho, desesperado para conversar com alguém, partilhar. Os meus primeiros dias no interior tunisino, onde 90% do tempo fui um verdadeiro turista solitário, foram muito exigentes em termos emocionais. Fez-me demasiado bem, para dizer verdade. Uma pessoa, nestas condições, tem de se abrir ao mundo, partilhar com outros desconhecidos experiências, estórias e histórias de vida. Se eu tivesse acompanhado com amigos, jamais teria tido uma noite como em Le Kef, onde uns 5 tunisinos estavam encantados por ter estudado na mesma escola que o Cristiano Ronaldo e o Ricardo Quaresma estudaram. Foda-se, ali havia um interesse genuíno, nada de regateanços, nada de interesses, nada de segundas intenções... Eles simplesmente queriam conhecer-me o máximo possível. Se eu tivesse acompanhado, jamais na minha vida teria dado boleia a dois Guardas da "Guarde National", no meio da noite escura, à saída de Gafsa. A início, borrei-me de medo, mas depois veio a parte agradável. Outra vez uma curiosidade genuína, nada de interesses, nada de tapetes, pulseiras, candeeiros ou bugigangas! Pura e simples aventura, às tantas da madrugada, pelas estradas tunisinas!

O Ramadão foi o principal marco da minha viagem à Tunísia. Marcou, de forma inequívoca, toda a minha viagem. Em três semanas perdi quatro quilos, só ao fim de 16 dias é que consegui almoçar e todos os santos dias jantei "couscous au poulet" e o delicioso "brick à l'oeuf". O Ramadão é a pior altura para descobrir a gastronomia de um país muçulmano e um dos piores para comer. É ideal para quem queira emagrecer, pois não vai encontrar um único restaurante aberto, a não ser que queira estar rodeado de camónes bimbos, a pagar quantias exorbitantes que fazem as delícias de alguns turistas. Esses (poucos) restaurantes abertos são a salvação para turistas de hoteis de cinco estrelas, coisa com o qual não me identifico muito. Só fazia duas refeições, pequeno-almoço e jantar, aguentando a fome, muito discretamente, com umas bolachinhas e uns iogurtes durante a tarde. Tirando o peso perdido, foi muito interessante ver os horários todos trocados. A vida funciona ao ralenti, durante o dia o ritmo é bastante mais vagaroso, para poupar os corpos a esforços. Os pobres não podem comer, fumar, ter relações sexuais, usar perfume e, pior de tudo, beber o que quer que seja. É aflitivo chegar a Ksar Ghilane, em pleno deserto do Sahara, com 50,3ºC e notar que ninguém ali bebeu uma gota de água durante a tarde toda.
As coisas mudam de figura ao final da tarde, com o aproximar do crepúsculo. Com a hora do jantar a aproximar-se, as pesssoas começam a correr para os supermercados e, subitamente, toda a gente começa a vender pão, até tabacarias, como cheguei a ver em Bizerte. A fome é negra, meus amigos.
As ruas, minutos antes do aviso do muezzin a indicar o fim do jejum, ficam completamente vazias. É assustador. Imaginem uma Avenida da Liberdade completamente deserta, sem vida, sem alma alguma por volta das 19:45. Assim que o aviso é dado, começa a magia. aos poucos as ruas começama a ganahr vida, as pessoas podem voltar a fumar, a beber, a comer e a foder, até! O barulho começa a apoderar-se das ruas e becos. Os cafés enchem-se com pessoas a fumar chicha e a fumar outras coisas tantas. A maior parte das lojas voltam a abrir, bem como alguns restaurantes que servem um delicioso e merecido jantar, se bem que a ementa pode ser bastante limitada. Pura e simplesmente não se justifica fazer uma grande variedade de comida numa época em que a comida, pura e simplesmente, não tem grande saída.
Um dos aspectos mais interessantes do ramadão, para além da fome que se passa, são as profundas alterações emocionais que as pessoas sofrem à medida que os dias passam. O ramadão, antes de purificar o que quer que seja, desgasta uma pessoa. A fome, durante um mês, nunca é completamente saciada. As pessoas, para alémd e começarem a peder peso, começam a ficar com menos paciência para certas coisas. Durante os primeiros dias, não se nota grandes diferenças a nível comportamental. Comecei a notar os árabes um pouco mais teimosos e irritadiços no final da segunda semana. O seu comportamente altera-se. Têm bastante menos paciência para regatearem o que quer que seja e as noites começam a ser cada vez mais animadas. O mais interessante é que eu próprio senti essas mudanças. Se eu no início aturava um homem um pouco mais aborrecido, dias depois já "entrava a matar". Chegou a uma altura em que pura e simplesmente não tinha pachorra para ouvir o "hey amigo, español?" ou de atura falsos taxistas armados em espertos. Um homem, no meu último dia em Tunes, teve o azar de me cobrar 3 euros por uma viagem de 3 minutos. Pobre azarado. Nem discuti o preço. Limitei-me a dizer "Voulez-vous la police?". Simplesmente não tinha pachorra para mais.
Podem pensar que os meus últimos dias foram secantes, sempre aborrecido. Nada disso. Sentir estas mudanças é parte da magia do ramadão. Não é de todo a melhor altura para viajar, mas acho que toda a gente na vida devia, pelo menos, experimentar o que é o ramadão. Não tenciono repetir o ramadão, mas digo-vos que foi uma experiência muito, muito interessante. Bolas, não é todos os dias que se ouve vinte minaretes aos altos berros a assinalar o crepúsculo. O pôr-do-sol durante o ramadão é magia, MAGIA! (Nem tenciono falar dos problemas de transporte durante o ramadão... Foi o que mais me enervou. Não, não vou falar das louages...)

Acho que não consigo ter uma opinião muito imparcial sobre a Tunísia. As comparações com Marrocos são um pouco inevitáveis e devo confessar que, no geral, gostei mais dos amigos marroquinos. Não sei, lá está, se a minha opinião foi muito influenciada pelo ramadão, é capaz...
A Tunísia pareceu-me um país muito mais organizado e mais desenvolvido que Marrocos. Eu, como sou um apaixonado de paisagens, achei Marrocos muito mais interessante em termos naturais. A Tunísia é um país de paisagens um pouco aborrecidas. O sul da Tunísia, especialmente as regiões de Tataouine e Tozeur, são um regalo para os olhos. É aqui que a Tunísia é verdadeiramente bela. O Chott el Djerid, os Ksars, Matmata e o grande deserto são locais belos, belos! A "parição"de Ksar Ghilane aos viajantes da "route du pipeline" é algo memorável. Não era uma miragem, não. Era o oásis, a água, a frescura, o abrigo, no meio daquele mar de areia, inóspito, pouco agradável, mas infinitamente belo. O deserto é algo inexplicável. É um silêncio que não se explica, é a monotonia mais agradável do mundo. Rebolar na areia fina, laranja e fofa, ver rastos de escorpião, ninhos de víboras, encontrar uma planta desesperada por água, olhar, olhar para o infinito, dormir com uma tempestade de areia... O deserto, meu Deus, o deserto...

A Tunísia é, contudo, um poço cheio de história. A Tunísia está inundada de ruínas romanas, contos, lendas, colunas, calhaus, mesquitas históricas, anfiteatros, coliseus, museus e mosaicos, mosaicos e um pouco mais de mosaicos.
É aqui que a Tunísia se revela um país verdadeiramente interessante. Se as praias banhadas pelo Mar Mediterrâneo são boas (apesar do lixo), as ruínas romanas da Tunísia são mil vezes mais fascinantes. É fabuloso chegar a Dougga, Sbeitla, El-Jem ou, apesar dos maus tratos, à famosa Cartago. Ali estava a grande rival de Roma, por ali andou Hannibal... Em El-Jem (o terceiro maior coliseu romano do mundo) mataram-se homens e em Dougga e Sbeitla os romanos faziam das suas... Se aqueles capitólios falassem... Em Kairouan (a quarta cidade santa do Islão depois de Mecca, Medina e Jerusalém e a mais importante de todo o Norte de África) encontra-se a mesquita mais antiga do mundo. Sete peregrinações a Kairouan equivalem a uma peregrinação a Mecca. Dali, os muçulmanos conquistaram todo o Norte de África. Foi em Djerba que Ulisses descansou um tempo, aproveitando aquelas águas quentes e calmas...
História meus amigos, ali há História!
A Tunísia, no geral, é um país interessante. É um país que merece uma visita, com certeza, mas não tenciono regressar, ao contrário de Marrocos. Uma coisa que não apreciei muito foram as cidades. As medinas são belas e interessantes, mas são sempre a mesma fórmula. Tunísia só tem uma verdadeira grande cidade, Tunes, e, exceptuando o museu do Bardo, as ruínas de Cartago e a medina, não há grande coisa para lá se fazer. Não é uma cidade excitante como Marrakech ou Fèz.
A única coisa em que a Tunísia é realmente fabulosa é em termos de Hstória. Juro que a certo ponto estava farto de ver tantos mosaicos e ruínas romanas, mas bolas, não é todos os dias que uma pessoa come umas Tuc rosmaninho num coliseu romano.
Os próprios tunisinos pareceram-me mais calmos que os marroquinos, mas não sei se o ramadão fez das suas. O ramadão é o principal motivo pelo qual eu não consigo ter uma opinião muito segura e convicta sobre a Tunísia.

Tirando isso, foi uma viagem muito interessante. Foi a verdadeira aventura. Senti alegria extrema e uma solidão que magoava no mais fundo da alma. Conheci americanos, ingleses, franceses, espanhóis, italianos... Vi um japonês convertido ao Islão, mesm não sabendo uma única palavra de árabe para além dos famosos Salam e Chukrane. Apaixonei-me pela vida do Matt, americano que estava a fazer a viajem pelo mundo durante cerca de um ano. A Lynn ia aprender árabe a troco de aulas de inglês para rapazes da medina... Alugámos um carro e fomos à descoberta. Rimos, partilhámos imensas experiências, parámos para ve camelos a passar, passámos fome e sede, muita sede, tivémos medo de encalhar o carro nas areias do Sahara, dormimos debaixo da terra em Matmata, passámos um dia inteiro na praia em Djerba, visitámos Ksars e pensámos que íamos ser sacrificados numa mesquita abandonada de Guermessa...
O temporal no deserto em Midès...
Todos estes momentos e aventuras mataram aquela maldita solidão que uma pessoa tem de combater...

Eu, que nunca fui um rapaz muito sociável, não podia ter tido melhores férias que estas. Tive que me abrir, pela primeira vez, ao mundo. Fui forçado a tal coisa. As recompensas foram maravilhosas. Viajar sozinho não é para todos, acredito que há gente que não aguente a pressão e a profunda solidão que, do nada, pode surgir. Cheguei a procurar, desesperado, por internet para ler notícias no Sapo e, quando li que uma bomba de gasolina tinha sido assaltada em Oliveira de Frades, senti-me estranhamente feliz! LOOL Era o meu país, ali. Só tinha canções de Amália e PJ Harvey na cabeça. Ouvir a Silence em Ksar Ghilane foi algo mágico. A Silence a quebrar o verdadeiro Silêncio... Pequenas coisas que tornaram certos momentos magníficos. Os colegas a matarem a solidão... Por estes motivos e muitos outros que não cabem aqui, devo dizer que estas férias foram extremamente gratificantes. Acho que me fez imensamente bem e é essa a principal recordação da Tunísia!

Etou de regresso. Estou feliz e cheio de coisas para contar. Tenho que partilhar tudo, até a minha dormida em Barajas e a minha visita ao centro de saúde de Eloy Gonzalo! A Tunísia por lá ficou, mas também ficou na minha memória, mesmo com a porcaria do tapete encalhado por falta de espaço na mala.

Vou almoçar, preciso de gorduras e farinhas!

Algumas (muitas?!?!) fotos:
NOTA: As fotos estão com pior qualidade para não sobrecarregar o blog.

A parte nova da pouco excitante cidade de Tunis



Termas de Antonin, Cartago, com um palácio presidencial do cabrão do Ben Ali mesmo em cima...



Achei este gajo bué drede. Vejam a posição das mãos, o gajo devia estar a ouvir M.I.A!



Algo que me aborreceu um pouco em Cartago... Virou subúrbio de Tunis e às vezes encontramos coisas destas!



O velho porto de Bizerte é um amor, amor, amor!



Anfiteatro de Dougga, as melhores ruínas de toda a Tunísia



E o maravilhoso capitólio, onde as peixeiras do teatro de revista gostavam de actuar!



Le Kef, a um passinho da Argélia, onde por umas boas horas fui um verdadeiro turista solitário, onde caiu uma trovoada do tamanho do mundo e onde um grupo de tunisinos não me queria deixar dormir para falar do Ronaldo e do Quaresma!



A viagem mais secante da minha vida tinha de ter algo de positivo. Não imaginam as cabeçadas que o homem deu...



Sim, eu dormir aqui, Tozeur, com uns belos 40ºC



Mas também dormi aqui, em Djerba



A Santa, em Djerba. É omnipresente!



Djerba, la douce



A mesquita de Guermessa, onde por momentos pensei que ia ser sacrificado por árabes malucos. Uma das experiências mais assustadoras da minha vida...



O maravilhoso Ksar Ouled Soltane



Também dormir aqui, em Matmata, debaixo da terra. Viva o luxo!



Camel Crossing...



Chegados ao primeiro Oásis do Sahara, Ksar Ghilane









A despedida de Ksar Ghilane, com uma catrefada deles!



Casas de banho do Chott el Djerid, super Confort!




Oásis de Montanha: Chebika e Midès. Neste último apanhei um belo temporal. Chuva no deserto no verão. Ah pois...




O fabuloso coliseu de El-Jem



Estes Romanos já eram frescos, vejam só!



Sousse



A cidade Santa de Kairouan e a sua grande, GRANDE mesquita.




As Ruínas de Sbeitla



Confesso que já estava um pouco farto de mosaicos...



Uma das coisas a fazer na Tunísia é fotografar portas, muitas portas!



Este carro foi um grande companheiro durante 1800 km. AR CONDICIONADOOOOOO!




Vergonha! A dormir no aeroporto de Madrid, sinceramente...



É sempre bom ir ao Buen Retiro



E as melhores fotos da Tunísia foram, claro está, tiradas pela Jara, a nossa companheira espanhola. É jovem, mas já viveu muito, muito! E estas fotos são um verdadeiro regalo:

Ksar Ghilane





O Cão de Guermessa. A moça habilitou-se... O medo apoderou-se de nós.



(estas últimas fotos foram tiradas desta galeria: http://www.flickr.com/photos/khairalopez/sets/72157607358580176
de Jara Lopez)

vamos já preparar a próxima viagem...

2 comentários:

Anónimo disse...

Los perros en Portugal son más dóciles que el de la última foto

maria 3a disse...

sempre interessantes estes teus posts. keep up the good work! boas viagens e beijinhos para o renato júnior*