quinta-feira, 11 de maio de 2006

O Amor visto por A.



A - Eu quero brincar às escondidas contigo e dar-te as minhas roupas e dizer que gosto dos teus sapatos e sentar-me nos degraus enquanto tu tomas banho e massajar o teu pescoço e beijar-te os pés e segurar na tua mão e ir comer uma refeição e não me importar se tu comes a minha comida e encontrar-me contigo no Rudy e falar sobre o dia e passar à máquina as tuas cartas e carregar as tuas caixas e rir da tua paranóia e dar-te cassetes que tu não ouves e ver filmes óptimos, ver filmes horríveis e queixar-me da rádio e tirar-te fotografias a dormir e levantar-me para te ir buscar café e brioches e folhados e ir ao Florent beber café à meia-noite e tu roubares-me os cigarros e a nunca conseguir achar sequer um fósforo e falar-te sobre o programa de televisão que vi na noite anterior e levar-te ao oftalmologista e não rir das tuas piadas e querer-te de manhã mas deixar-te dormir um bocado e beijar-te as costas e tocar na tua pele e dizer quanto gosto do teu cabelo dos teus olhos dos teus lábios do teu pescoço dos teus peitos do teu rabo e sentar-me nos degraus a fumar até o teu vizinho chegar a casa e se sentar nos degraus a fumar até tu chegares a casa e preocupar-me quando estás atrasado e ficar surpreendido quando chegar cedo e dar-te girassóis e ir à tua festa e dançar até ficar todo negro e pedir desculpa quando estou errado e ficar feliz quando me desculpas e olhar para as tuas fotografias e desejar ter-te conhecido desde sempre e ouvir a tua voz no meu ouvido e sentir a tua pele na minha pele e ficar assustado quando estás zangada e um dos teus olhos um vermelho e o outro azul e o teu cabelo para a esquerda e o teu rosto para oriente e dizer-te que és lindíssima e abraçar-te quando estás ansiosa e amparar-te quando estás magoada e querer-te quando te cheiro e ofender-te quando te toco e choramingar quando estou ao pé de ti e choramingar quando não estou e babar-me para o teu peito e cobrir-te à noite e ficar frio quando me tiras o cobertor e quente quando não o fazes e derreter-me quando sorris e desintegrar-me quando te ris e não compreender porque é que pensas que eu te estou a deixar quando eu não te estou a deixar e pensar como é que tu podes achar que eu alguma vez te podia deixar e pensar em quem tu és mas aceitar-te na mesma e contar-te sobre o rapaz da floresta encantada de árvores anjo que voou por cima do oceano porque te amava e escrever-te poremas e pensar porque é que tu não acreditas em mim e ter um sentimento tão profundo que para ele não existem palavras e querer comprar-te um gatinho do qual teria ciúmes porque teria mais atenção que eu e atrasar-te na cama quando tens de ir chorar como um bebé quando finalmente vais e ver-me livre das baratas e comprar-te prendas que tu não queres e levá-las de volta outra vez e pedir-te em casamento e tu dizeres não outra vez mas eu continuar a pedir-te porque embora tu penses que eu não estou a falar a sério eu estou mesmo a falar a sério desde a primeira vez que te pedi e caguear pela cidade pensando que ela está vazia sem ti e querer aquilo que queres e achar que me estou a perder mas saber que estou seguro contigo e contar-te o pior que há em mim e tantar dar-te o meu melhor porque não mereces menos e responder às tuas perguntas quando deveria não o fazer e dizer-te a verdade quando na verdade não o quero e tantar ser honesto porque sei que preferes assim e pensar que acabou tudo mas ficar agarrado a apenas mais dez minutos antes de me atirares para fora da tua vida e esquecer-me de quem sou e tentar chegar mais perto de ti porqueé maravilhoso aprender e conhecer-te e vale bem o esforço e falar mau alemão contigo e pior ainda em hebreu e fazer amor contigo às três da manhã e de alguma maneira de alguma maneira de alguma maneira transmitir algum do / esmagador, imortal, irresistível, incondicional, abrangente, preenchedor, desafiante, contínuo e infindável amor que tenho por ti.



Falta, Teatro Completo, Sarah Kane

7 comentários:

Anónimo disse...

Ahhh, essa é a doida do "ama-me ou mata-me"! É uma granda doida!

Isobel disse...

Bem, Natos, só te digo.. esta é a definição mais maravilhosa que já li sobre o amor.. acho que vou ler as coisas da Sarah Kane. Ela suicidou-se, não foi?
É maravilhoso.... fiquei embevecida (eu sou uma piegas e adoro estas coisas amorosas).

Renato disse...

ya suicidou-se! Na primeira tentativa ela conseguiu safar-se, mas acho que o namorado dela, dias depois, deixou-a sozinha e acho que ela se enforcou com um lençol, ou que foi! Aconselho a compra do livro dela, do teatro Completo. É uma marabilha!

Anónimo disse...

hmmm. o jose não é muito dado a este tipo de coisas. comecei por torcer o nariz, mas agora a segunda metade agradou-me. tenho que relê-lo, mas hoje não. de resto olha, apreciei.
vou procurar qualquer coisa sobre a gaija.

Anónimo disse...

Simplesmene encantador! Será que alguma vez seremos merecedores de um amor assim? quero acreditar que sim... Obrigado pela dica do livro ;)

miss_rochinha disse...

Belo, sem duvida... Para completar o post, cá vai outra definição de amor, bem mais curtinha, de um escritor que pensa em portugues e escreve que é uma beleza...

Fico admirado quando alguém, por acaso e quase sempre
sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor.
eu sei exactamente o que é o amor. o amor é saber
que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer.
o amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte
de nós que não é nossa. o amor é sermos fracos.
o amor é ter medo e querer morrer.

“A Criança Em Ruínas” de José Luís Peixoto

Renato disse...

Jasus, estes post e comentários não me andam a fazer nada bem ao espírito! LOLOL