Agradeço o sucesso que a novela está a ter. No IST, não se la de outra coisa senão do cuscógrafo! Como brinde, aqui vai o segundo episódio para todos os leitores do "Quem não chupa, não mama!
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Afínfalhe amanheceu, nesse Domingo de missa, gloriosamente humidificada pelo orvalho. Todavia sabia-se de antemão, que cedo a aldeia se converteria na habitual e desértica torreira pela qual era famosa:
- Ehhh, isto daqui a um nadinha estão cá uns setenta graus à sombra! Estou-te a dizer! – Vociferava Anacleto Pimpolho.
- Tu estás mas é maluco hômé de Deuje! Tu és um exagero! Tu quando me comes de coentrada ficas assim, maluco! Vá, toca a mexer, temos missa! Estou para ver se o senhor padre tem vergonha na cara e não te deixa comungar… – gritava, em tom de resposta e de provocação a mulher de Anacleto, Sílvia Costa Pimpolho, à medida que se perfumava com Chinela N.º 5.
Afínfalhe era uma pacata aldeia alabastrina, no cimo de uma serra, quase isolada do mundo. A única forma de comunicação era uma deficiente estrada de terra batida que, com a chuva, se transformava num lamaçal e num pântano intransponível. Tal facto não tornava as situações de completo isolamento da aldeia e dos seus habitantes muito raras. O isolamento completo era tão frequente que mesmo os habitantes das outras aldeias mais próximas, tão próximas que nem a vista alcançava, eram chamados de estrangeiros. Esta falta de familiaridade era benéfica para alguns; por exemplo, para os habitantes de Merda de Abaixo, era muito mais simpático ser tratados por estrangeiros que por “Merdenses de abaixo”…
Afínfalhe era, assim, uma pequena aldeia em que toda a gente conhece toda a gente. A composição demográfica era peculiar já que Afínfalhe não tinha jovens até aos vinte anos. A abertura, no ano de 1986, da clínica “Aborto na Montanha”, modificou completamente o panorama da aldeia. Desde então, todos os dias, alguém aborta naquela clínica e Afínfalhe tornou-se então, presa fácil para o envelhecimento. Uma das consequências foi o fecho da “Casa estatal dos Registos”, dado que em vinte anos não houve um único nascimento. A falta de esperança e o gasto inútil para manter um serviço que de nada serve às pessoas, acelerou o fecho da unidade.
Como dizia, e bem, Maria Antonieta “O que falta a esta aldeia é um centro de reabilitação de rabetas”. Para além de todas as características pouco habituais da aldeia, Afínfalhe era, também, conhecida como “O paraíso do Arco-Íris”. O motivo da falta de jovens na aldeia era, de facto, o facto de a clínica não conseguir abortar, de forma efectiva, os fetos de orientação homossexual. Os que podiam salvar a situação eram os velhotes como José e Maria Agripina, se estivessem em idade fértil, mas a menopausa já tinha vitimado Maria Agripina que assim se encontrava proibida de engravidar fosse porque meio fosse. José tentava engravidá-la de variadas formas. Era da convicção de José que as mulheres se podiam engravidar, como ele dizia, “por tudo o que era buraco”. Assim, fruto de inúmeras tentativas falhadas, Maria Agripina surgia, por vezes, com hematomas nos ouvidos, nos olhos, nos furos dos brincos e era vítima das piores hemorróidas de toda a região, ganhando sempre a qualquer estrangeiro, fosse ele quem fosse, viesse ele de onde viesse…
O filho de José e Maria Agripina, José Agripino, era para ter tido a sorte igual a tantos outros fetos que foram aspirados pela clínica de Afínfalhe e dados como presentes aos gatos. Como homossexual, resistiu às dezoito tentativas de aborto por parte de Maria Agripina. Numa média de duas vezes por mês de gestação, Maria Agripina deslocava-se à clínica, em vão, com a convicção de que cada tentativa iria mostrar-se coroada de sucesso. Numa delas, Maria Agripina sentiu um ardor estranho, assim como sons na barriga. Eram gritos do então feto José Agripino com ameaças que logo fizeram estremecer as convicções de Maria Agripina:
- Tenho aqui um ovo dos teus! Se voltas a tentar, em vez de sair um rabeta, passam a sair dois!
Isto, desde logo, obrigou a uma mudança de estratégia para tentar o aborto nas seguintes tentativas. Maria Agripina, então, passou a esfregar tampões com “xanax” e a esguichar “valdispert” pela vagina para ver se adormecia a zona, na tentativa de também adormecer José. Apesar de José se encontrar a dormir nessas alturas, este encontrava-se amarrado ao útero da sua progenitora de uma forma surpreendentemente eficaz, tão eficaz que todos os bebés homossexuais adoptaram a medida para resistirem às tentativas de aborto. Os rebentos encontravam-se, então, amarrados ao endométrio materno por casulos de esperma paterno seco. Tal facto comoveu as médicas da clínica ao ponto de exclamarem que era o sacrifício de milhões de irmãos secos para proteger um só, neste caso, os milhões de irmãos de José Agripino secaram-se e protegeram-no para poder sobreviver.
José Agripino, agora um rapaz de vinte e cinco anos, acompanhava seus pais à missa. No caminho encontraram Anacleto e Sílvia Costa Pimpolho a quem deram uma calorosa saudação. Apesar da tentativa de disfarce, Maria Agripina não escondia a sua inquietude e sentia que algo lhe aconteceria assim que entrasse na Igreja de Afínfalhe. José Agripino sabia porque razão a mãe se encontrava em tal estado, mas como não se interessava por tais práticas entre géneros diferentes, não se pronunciava. José (o pai), como tinha sido um dos protagonistas da causa de preocupação de Maria Agripina, em nada de encontrava preocupado:
- Se já há um a preocupar-se, porque há de se preocupar outro, pôrra?! – Pensava José.
Ao fim de cinco minutos, já um pouco atrasados, a família de Agripinos e Agripinas entrava, a custo, na Igreja; devidamente acompanhados de Anacleto e Sílvia Costa Pimpolho. Maria Agripina, assim que viu a fachada da Igreja, sentiu o seu ritmo cardíaco mais acelerado, e mais acelerado ficava à medida que se aproximava da Igreja. Na hora de passar o pórtico do edifício religioso, Maria Agripina quase desmaiou ao verificar que os únicos lugares vagos na Igreja eram ao lado de Maria Iraniana. Esta, pacientemente, tinha esperado este dia e esta missa, sem razão conhecida. Contudo, era notória a satisfação na cara de Maria Iraniana, falsamente concentrada na missa que já começara fazia três minutos.
Depois de devidamente sentados, a missa prosseguiu o seu ritmo normal. Antes da comunhão haviam as confissões públicas, ou seja, uma vez que o Padre António del Dios tinha muitos encargos humanitários e era funcionário na clínica de abortos, ele decidira, sem votação e contestação possível, que o confessionário era público e na hora da missa:
- Assim confessam-se todos e a vergonha de um ajudará muitos outros, caro irmão. – Explicava António del Dios a Ana Maria, empregada de limpeza da Igreja.
O grande momento estava prestes a surgir e notava-se, cada vez mais, a satisfação de Maria Iraniana e a aflição de Maria Agripina. Os restantes fiéis estavam mais apressados para comungar, dado que, como se costumava dizer na Aldeia, “uma hóstia mata mais fome que nenhuma!”.
Chegava, então, o grande momento:
- Algum dos fiéis aqui presentes tem, na presença de Deus e do seu lar, algo a nos confessar para merecer a libertação e o Seu perdão misericordioso?
Foi então que Maria Iraniana se levantou...
Continua…
sexta-feira, 13 de outubro de 2006
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